João Soares

O vício das horas extras em Portugal

Após as crises financeiras que abalaram o país, Portugal conseguiu, de certa forma, reerguer-se toranando-se mais atrativo para cidadãos estrangeiros, graças ao seu clima, gastronomia e beleza natural. A economia tem sido impulsionada por este apelo, e os empregos estão fortemente concentrados no setor dos serviços, nomeadamente nos serviços de apoio ao cliente, que exigem cada vez mais horas extraordinárias. O limite máximo de horas de trabalho por semana permitido em Portugal é de 40. A Espanha prepara-se para reduzir esse limite para 37,5 horas semanais, e a média de horas de trabalho nos Países Baixos é de 32. Acredito que este limite evoluirá no futuro em toda a Europa, significando menos tempo de trabalho e mais tempo de vida pessoal. No entanto, em Portugal, muitas pessoas trabalham acima do limite legal de 40 horas, e não parece haver perspetivas de melhoria.

Código do trabalho

O governo de Luís Montenegro irá lançar novas regras para o Código do Trabalho, e uma das medidas deste pacote de políticas é o regresso do chamado “banco de horas”, que permitirão aos empregadores solicitar horas extraordinárias aos trabalhadores sem pagamento adicional, compensando posteriormente com dispensas. Antes desta proposta, muitas pequenas empresas já utilizavam este método devido à fraca fiscalização do mercado de trabalho, mas agora, se a medida for aprovada no parlamento, as grandes empresas também passarão a utilizá-lo. Os trabalhadores sairão prejudicados e a dependência das horas extraordinárias continuará.


Não me interpretem mal, caros leitores. O banco de horas é um mecanismo interessante para proporcionar flexibilidade às empresas com procura sazonal, e também aos próprios trabalhadores. No entanto, é fundamental compreender bem o contexto do país para implementar boas políticas. Em Portugal, a fraca inspeção do trabalho e o desequilíbrio de poder entre empregador e trabalhador tornam este sistema muito mais suscetível a abusos do que a benefícios.

A doença do mercado de trabalho

A associação dos agricultores pediu ao governo que permitisse 60 horas de trabalho por semana nos setores que sofrem com a falta de mão de obra. Isto representa uma regressão total das leis laborais modernas, especialmente quando existem inúmeros estudos que comprovam que menos horas de trabalho aumentam a produtividade e a felicidade dos trabalhadores — num país que enfrenta sérios problemas de saúde mental e de produtividade. Contudo, o impacto vai além do equilíbrio entre vida profissional e pessoal. A necessidade é o motor da inovação e do progresso. Ao conceder mecanismos que permitem mais horas extraordinárias nos setores carenciados, estamos a criar inércia no caminho para melhores práticas empresariais e métodos de trabalho, nomeadamente a digitalização e a automação. Esta doença do mercado de trabalho em Portugal não é exclusiva do setor privado. Os trabalhadores do setor judicial, dos serviços de emergência, da recolha do lixo e, especialmente, do setor da saúde, sofrem todos de um uso extremo de horas extraordinárias. Esta situação tem originado um grande número de greves, cujas reivindicações incluem o aumento dos salários para preencher os postos de trabalho. Os trabalhadores do setor da saúde são um dos temas mais debatidos na atualidade do país. Trabalham acima do número recomendado de horas, e uma das principais causas deste problema é a falta de profissionais — mais uma vez. Contudo, ao contrário do que muitos pensam, a maioria não vai para o setor privado. O destino mais comum são os médicos tarefeiros, que, devido à melhor remuneração horária e maior flexibilidade, atraem os profissionais de saúde. O sistema tem esta falha, e é importante resolvê-la.

As soluções 

Em países envelhecidos, como a Grécia e Portugal, os desafios são semelhantes. O envelhecimento da população e a saída de jovens em busca de melhores oportunidades agravam a situação. A solução passa por melhores práticas de gestão que aumentem a eficiência, a produtividade e a valorização das carreiras públicas essenciais, bem como pela atração de imigração qualificada. O trabalho extraordinário é um paliativo que apenas disfarça a verdadeira doença e agrava problemas já existentes, como a baixa produtividade e a fraca saúde mental.

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